Recentemente tomámos conhecimento dos arrolamentos
republicanos dos bens paroquiais de Vila do Conde que se guardam no Arquivo Municipal. Foram feitos em finais de
1911 e princípios de 1912 sob supervisão do administrador, que ao menos em
parte deles era o brasileiro Francisco Baltazar do Couto. Sabemos bem que a
intenção desses arrolamentos era a pior, mas hoje eles tornam-se documentos históricos
úteis: estão bem estruturados, têm boa apresentação e dão-nos uma ideia
bastante precisa dos bens que cada paróquia possuía, que nas mais das vezes
eram muito humildes.
Para se fazer uma ideia da pressão republicana então exercida contra a Igreja, veja-se a notícia que copiámos daqui:
Outeiro, Vila do
Conde, 2/8/1911
Realizou-se no domingo passado a
festividade do Coração de Jesus, precedida de práticas preparatórias feitas
pelo novel orador sagrado Adelino Anselmo de Matos, pároco de Curvos,
Esposende, que muito agradou e tirou abundante fruto, não obstante ter sido
chamado à última hora.
De manhã houve comunhão geral,
distribuindo-se o Pão dos Anjos a umas trezentas pessoas.
De tarde realizou-se uma procissão em
honra do SS. Sacramento, promovida por um grupo de devotos e que este ano
quiseram cooperar com a Associação do Coração de Jesus, revestindo a festa mais
solenidade em virtude de se ter levantado um novo e lindo cruzeiro oferecido à
freguesia por um grupo de briosos rapazes que daqui foram para o Brasil e que,
entregues ao labutar constante da vida, não se esqueceram da sua terra natal
nem da sua fé.
À frente da procissão ia uma bandeira
que, pela sua frente, em puro veludo de sedas, ostenta os emblemas do Coração
de Jesus, circundados por um ramo a ouro, entrelaçado por uma fita a matiz,
rematando tudo em uma espécie de dossel, que produz um efeito surpreendente. Do
lado oposto, encontra-se, também bordado a ouro, o emblema JHS, tendo ao fundo
um ramo a matiz de belo gosto, e ao cimo a palavra “particular”, em
semicírculo.
Como que a pôr um embargo à alegria que
todos sentiam no meio de tão linda e religiosa festividade, por ser a única que
agrada e consola o coração do verdadeiro cristão e está no ânimo de todos os
habitantes desta freguesia, apareceu um ofício do cidadão Administrador do
Concelho de Vila do Conde, com a nota de “urgente”, que ao conhecer-se produziu
o efeito de um frigidíssimo duche. Dizia assim:
Tendo
conhecimento de que nessa freguesia se costuma anualmente fazer umas práticas e
confissões, sob a denominação de Coração de Jesus, tenho a dizer-lhe que tais
práticas são proibidas e punidas por lei. Queira pois não consentir e
participar-me, caso não sejam acatadas as minhas ordens.
Saúde
fraternidade.
Ao cidadão
regedor da freguesia de Outeiro.
Vila do Conde,
27 de Julho de 1911.
O Administrador
do Concelho – Luís da Silva Neves.
Está claro que se a autoridade da
freguesia – o Sr. António Gonçalves de Azevedo – não fosse um cavalheiro prudente,
um católico prático a quem agradam sobremaneira os actos da nossa santa
religião, na qual se esmera por educar toda a sua família, este ofício viria
privar este bom povo da sua querida festa, contristando-o e talvez exaltando-o.
Felizmente tudo se fez sem o mais pequeno incidente e no meio da mais franca
alegria. – P. A.
(Informação saída no jornal O
Poveiro, da Póvoa de Varzim, em 10/8/1911)
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