segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Uma homenagem ao Mons. José Augusto Ferreira

Mons. José Augusto Ferreira (Braga, 2/1/1860-Braga, 21/1/1944) foi pároco de Vila do Conde entre 1893 e 1921. Tornou-se aí um distinto historiador. O seu nome galgou fronteiras, tendo pertencido à Real Academia Galega da Corunha; foi também sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa.
Vários dos seus trabalhos incidem sobre Vila do Conde, em cuja historiografia foi pioneiro, com o celebrado Vila do Conde e o seu Alfoz, 1923, e Os Túmulos do Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde, 1925; outros abordam temática de interesse para o arciprestado, como A Igreja e o Estado nos Quatro Primeiros Séculos, Santo Agostinho e o Mosteiro da Junqueira, 1913, onde faz uma síntese da história deste mosteiro, ou A Igreja de S. Cristóvão de Rio Mau, 1909.
Mas as suas obras maiores são certamente as que dedicou à Arquidiocese de Braga; entre elas contam-se os Fastos Episcopais da Igreja Primacial de Braga, em vários volumes, e os Estudos Histórico-Litúrgicos, onde aclara importantes aspectos que a investigação ainda não tinha tratado devidamente.
Também historiou a Diocese do Porto.
A Câmara Municipal de Vila do Conde reconheceu o mérito deste pároco-historiador, homenageando-o em 21 de Março de 1926. Nesse dia, a edilidade ofereceu-lhe um pergaminho com os expressivos dizeres seguintes, da autoria do Dr. António Maria Pereira Júnior:

Ex.mo Senhor:
A Câmara Municipal de Vila do Conde, interpretando os sentimentos de todos os seus munícipes, vem prestar a V. Ex.a a homenagem da sua admiração, do seu respeito e do seu reconhecimento pelo muito que, em manifestações de fecundo carinho, já lhe deve.
Não é sem desvanecimento legítimo que uma terra vê que alguém lhe estuda e compõe a história, arrancando-a à confusão e ao esquecimento das velhas crónicas que a guardam; e quando esse alguém tem as faculdades e a ciência do investigador inteligente e culto que V. Ex.a é, e em tantas obras de notável relevo se assinalaram já, maior é ainda o orgulho de se ver assim estudada e exaltada, nas suas origens e nos seus monumentos, nos seus factos de mais vulto e nos seus homens de melhor nome.
A mais duma assembleia doutíssima, em que de nobres estudos se dá conta e nobres matérias se debatem, tem V. Ex.a. levado o nome da nossa terra no estudo sempre interessante de alguns dos seus monumentos; e já antes, em trabalhos dispersos por várias publicações, V. Ex.a lhe dedicara o labor precioso de preciosas buscas nos esquecidos papéis que se lhe referem.
Os seus dois últimos trabalhos sobre Vila do Conde e o seu Alfoz e Os túmulos de Santa Clara são a plena e brilhante confirmação de preferência que sempre têm merecido ao seu espírito de investigador diligente e de crítico esclarecido as coisas belas que a Arte entre nós criou e que a incúria ou a incompreensão dos homens vai deixando que se mutilem e percam, como se pouco fossem ou mesmo nada valessem. E é porque elas valem ainda como um apelo eloquente para que as defendamos e guardemos da indiferença que as esquece e dos vandalismos que as profanam que maior é o nosso reconhecimento pelo esforço de tão generosa iniciativa, que nenhum interesse solicitou e premiou e que só a nossa gratidão confessa e aplaude.
Injustiça seria esquecer, neste público testemunho dessa gratidão, o pároco devotadíssimo a quem se deve a restauração magnífica da nossa Igreja Matriz, que só o seu amor, o seu cuidado e o seu esforço de verdadeiro artista conseguiram libertar e recompor das mais dolorosas mutilações que a desfiguravam.
Só por si seria essa obra motivo bastante para estas homenagens que nenhum favor de amizade inspira ou diminui, porque só um alto e puro sentimento de justiça as lembrou e valoriza.
Aceite pois V. Ex.a as homenagens que todos os homens desta terra lhe devem pelo muito que, longe embora, a tem sabido exaltar, homenagens que hoje, por intermédio da sua Câmara Municipal, com muita justiça eles lhe vêm trazer, pela sua nobre figura moral significando ainda todo o seu respeito e toda a sua admiração.

Os dizeres do pergaminho vêm quer na revista Ilustração Vilacondense, que do acontecimento fez ilustrada reportagem, quer no jornal Democrático.
A homenagem ao Mons. José Augusto Ferreira teve dois momentos, uma sessão solene na Câmara Municipal e um jantar no Clube 1.º de Dezembro. A Ilustração Vilacondense referiu-se ao acontecimento nestes termos:

Naquele domingo de Março, frio mas claro, a espaços iluminado por um sol tépido, o salão nobre da Câmara Municipal encheu-se de tudo o que Vila do Conde possui de mais distinto e representativo no foro, no professorado, no exército, no clero, nesse povo que abrange todas as classes, hierarquias e castas, e que é sempre distinto quando o adornam sentimentos nobres e o orientam princípios elevados.
A palavra quente, arrebatada e brilhante dos oradores – Dr. Américo José da Silva, Dr. João Canavarro e Pe. José Praça – fez-se ouvir burilada de imagens, enriquecida de altos conceitos, num hino vibrante à sua terra natal e à Pátria comum, que o Mons. José Augusto Ferreira tão desinteressada e alevantadamente servia, com o fulgor vivo da sua inteligência, com o produto admirável do seu esforço.»

O Democrático não foi menos entusiasta. Abriu assim a sua reportagem:

«Decorreu quente, sincera e grandiosa a manifestação de respeito e reconhecimento que o nosso bom povo prestou no passado domingo, 21, à alta e respeitável figura de Mons. José Augusto Ferreira, o arqueólogo insigne e sábio investigador a quem Vila do Conde tanto deve, desde que há mais de 30 anos a veio pastorear e meter ombros a essa obra deveras notável de restaurar a nossa linda Igreja Matriz – esse belo e majestoso monumento que é o encanto e sedução de quantos o vêem e lhe admiram os seus rendilhados elegantes, e se decidiu finalmente com uma paciência de sábio que procura e há de achar, às investigações históricas rigorosas sobre a origem e vida desta terra – a Terra de Faria e da Maia, como rigorosamente a definiu S. Ex.ª no seu belo discurso na Câmara Municipal.
A nossa terra estava em dívida para com o seu Pároco de viver modelar, para com o amigo sincero e dedicado que tem consagrado uma boa parte da sua vida em desvelos e carinhos pelo que só a nós interessa – o património artístico – e a torná-lo conhecido do mundo culto e aos olhos profanos e até aos da terra, muitos dos quais ignoravam que dentro dos seus muros existissem tais preciosidades artísticas que os nossos antepassados nos legaram.»

Do resumo que faz da alocução que o homenageado proferiu na Câmara, paga a pena ler ao menos algumas linhas, de quando o orador está a falar do restauro da Matriz e refere «os desejos (…) de restituir o esplendor à sua (de Vila do Conde) Igreja Matriz, tão maltratada pelos homens desta terra, as contrariedades e dissabores que sofreu por ser mal compreendido, as viagens de estudo que fez para levar a bom termo as obras delineadas, o que conseguiu mercê do auxílio monetário dos Poderes públicos e da dedicação e auxílio de alguns dilectos filhos desta terra, entre os quais os Ex.mos Srs. Drs. Abel Andrade, Figueiredo Faria, Carlos Faria, infelizmente há muito morto, um irmão do Dr. Elias Aguiar e outros».
Fácil é concluir que este monsenhor foi uma figura notabilíssima. A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira dedica-lhe um verbete, que é preenchido principalmente pela muito longa lista das suas publicações. Na Enciclopédia Verbo, escreveu sobre ele outro notável historiador bracarense, o professor de Coimbra Avelino de Jesus Costa, que faz uma avaliação global da sua obra.
Não quero finalizar esta evocação da homenagem ao Mons. José Augusto Ferreira sem referir uma elogiosas e merecidas palavras que o Democrático recolhe a respeito do fotógrafo Marques de Abreu, um colaborador precioso do historiador, que estava presente. Quem folheia Vila do Conde e o seu Alfoz ou Os Túmulos de Santa Clara sabe quanto isso é verdade. E essa colaboração não se ficou por aí. O Democrático chama-lhe «ilustre artista e gravador portuense» e afirma que «às obras de investigação histórica editadas por Mons. Ferreira, relativas a Vila do Conde e o seu Alfoz e Os Túmulos de Santa Clara, deu o melhor do seu trabalho, ilustrando esses livros com o que de melhor se pode fazer, ainda nos centros gráficos estrangeiros».

Imagens: em cima, Mons. José Augusto Ferreira; em baixo, fotografia do dia da homenagem aqui referida: à direita do homenageado vê-se o Dr. José Canavaro e à sua esquerda o segundo Conde de Azevedo.

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