a Igreja da Lapa e da Capela de São Bartolomeu que a precedeu:
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Algumas figuras, alguns factos
a Igreja da Lapa e da Capela de São Bartolomeu que a precedeu:
Uma homenagem ao Mons. José Augusto Ferreira
Vários dos seus trabalhos incidem sobre Vila do Conde, em cuja historiografia foi pioneiro, com o celebrado Vila do Conde e o seu Alfoz, 1923, e Os Túmulos do Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde, 1925; outros abordam temática de interesse para o arciprestado, como A Igreja e o Estado nos Quatro Primeiros Séculos, Santo Agostinho e o Mosteiro da Junqueira, 1913, onde faz uma síntese da história deste mosteiro, ou A Igreja de S. Cristóvão de Rio Mau, 1909.
Mas as suas obras maiores são certamente as que dedicou à Arquidiocese de Braga; entre elas contam-se os Fastos Episcopais da Igreja Primacial de Braga, em vários volumes, e os Estudos Histórico-Litúrgicos, onde aclara importantes aspectos que a investigação ainda não tinha tratado devidamente.
Também historiou a Diocese do Porto.
A Câmara Municipal de Vila do Conde reconheceu o mérito deste pároco-historiador, homenageando-o em 21 de Março de 1926. Nesse dia, a edilidade ofereceu-lhe um pergaminho com os expressivos dizeres seguintes, da autoria do Dr. António Maria Pereira Júnior:
Ex.mo Senhor:
A Câmara Municipal de Vila do Conde, interpretando os sentimentos de todos os seus munícipes, vem prestar a V. Ex.a a homenagem da sua admiração, do seu respeito e do seu reconhecimento pelo muito que, em manifestações de fecundo carinho, já lhe deve.
Não é sem desvanecimento legítimo que uma terra vê que alguém lhe estuda e compõe a história, arrancando-a à confusão e ao esquecimento das velhas crónicas que a guardam; e quando esse alguém tem as faculdades e a ciência do investigador inteligente e culto que V. Ex.a é, e em tantas obras de notável relevo se assinalaram já, maior é ainda o orgulho de se ver assim estudada e exaltada, nas suas origens e nos seus monumentos, nos seus factos de mais vulto e nos seus homens de melhor nome.
A mais duma assembleia doutíssima, em que de nobres estudos se dá conta e nobres matérias se debatem, tem V. Ex.a. levado o nome da nossa terra no estudo sempre interessante de alguns dos seus monumentos; e já antes, em trabalhos dispersos por várias publicações, V. Ex.a lhe dedicara o labor precioso de preciosas buscas nos esquecidos papéis que se lhe referem.
Os seus dois últimos trabalhos sobre Vila do Conde e o seu Alfoz e Os túmulos de Santa Clara são a plena e brilhante confirmação de preferência que sempre têm merecido ao seu espírito de investigador diligente e de crítico esclarecido as coisas belas que a Arte entre nós criou e que a incúria ou a incompreensão dos homens vai deixando que se mutilem e percam, como se pouco fossem ou mesmo nada valessem. E é porque elas valem ainda como um apelo eloquente para que as defendamos e guardemos da indiferença que as esquece e dos vandalismos que as profanam que maior é o nosso reconhecimento pelo esforço de tão generosa iniciativa, que nenhum interesse solicitou e premiou e que só a nossa gratidão confessa e aplaude.
Injustiça seria esquecer, neste público testemunho dessa gratidão, o pároco devotadíssimo a quem se deve a restauração magnífica da nossa Igreja Matriz, que só o seu amor, o seu cuidado e o seu esforço de verdadeiro artista conseguiram libertar e recompor das mais dolorosas mutilações que a desfiguravam.
Só por si seria essa obra motivo bastante para estas homenagens que nenhum favor de amizade inspira ou diminui, porque só um alto e puro sentimento de justiça as lembrou e valoriza.
Aceite pois V. Ex.a as homenagens que todos os homens desta terra lhe devem pelo muito que, longe embora, a tem sabido exaltar, homenagens que hoje, por intermédio da sua Câmara Municipal, com muita justiça eles lhe vêm trazer, pela sua nobre figura moral significando ainda todo o seu respeito e toda a sua admiração.
Os dizeres do pergaminho vêm quer na revista Ilustração Vilacondense, que do acontecimento fez ilustrada reportagem, quer no jornal Democrático.
A homenagem ao Mons. José Augusto Ferreira teve dois momentos, uma sessão solene na Câmara Municipal e um jantar no Clube 1.º de Dezembro. A Ilustração Vilacondense referiu-se ao acontecimento nestes termos:
A palavra quente, arrebatada e brilhante dos oradores – Dr. Américo José da Silva, Dr. João Canavarro e Pe. José Praça – fez-se ouvir burilada de imagens, enriquecida de altos conceitos, num hino vibrante à sua terra natal e à Pátria comum, que o Mons. José Augusto Ferreira tão desinteressada e alevantadamente servia, com o fulgor vivo da sua inteligência, com o produto admirável do seu esforço.»
«Decorreu quente, sincera e grandiosa a manifestação de respeito e reconhecimento que o nosso bom povo prestou no passado domingo, 21, à alta e respeitável figura de Mons. José Augusto Ferreira, o arqueólogo insigne e sábio investigador a quem Vila do Conde tanto deve, desde que há mais de 30 anos a veio pastorear e meter ombros a essa obra deveras notável de restaurar a nossa linda Igreja Matriz – esse belo e majestoso monumento que é o encanto e sedução de quantos o vêem e lhe admiram os seus rendilhados elegantes, e se decidiu finalmente com uma paciência de sábio que procura e há de achar, às investigações históricas rigorosas sobre a origem e vida desta terra – a Terra de Faria e da Maia, como rigorosamente a definiu S. Ex.ª no seu belo discurso na Câmara Municipal.
A nossa terra estava em dívida para com o seu Pároco de viver modelar, para com o amigo sincero e dedicado que tem consagrado uma boa parte da sua vida em desvelos e carinhos pelo que só a nós interessa – o património artístico – e a torná-lo conhecido do mundo culto e aos olhos profanos e até aos da terra, muitos dos quais ignoravam que dentro dos seus muros existissem tais preciosidades artísticas que os nossos antepassados nos legaram.»
Do resumo que faz da alocução que o homenageado proferiu na Câmara, paga a pena ler ao menos algumas linhas, de quando o orador está a falar do restauro da Matriz e refere «os desejos (…) de restituir o esplendor à sua (de Vila do Conde) Igreja Matriz, tão maltratada pelos homens desta terra, as contrariedades e dissabores que sofreu por ser mal compreendido, as viagens de estudo que fez para levar a bom termo as obras delineadas, o que conseguiu mercê do auxílio monetário dos Poderes públicos e da dedicação e auxílio de alguns dilectos filhos desta terra, entre os quais os Ex.mos Srs. Drs. Abel Andrade, Figueiredo Faria, Carlos Faria, infelizmente há muito morto, um irmão do Dr. Elias Aguiar e outros».
Fácil é concluir que este monsenhor foi uma figura notabilíssima. A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira dedica-lhe um verbete, que é preenchido principalmente pela muito longa lista das suas publicações. Na Enciclopédia Verbo, escreveu sobre ele outro notável historiador bracarense, o professor de Coimbra Avelino de Jesus Costa, que faz uma avaliação global da sua obra.
Não quero finalizar esta evocação da homenagem ao Mons. José Augusto Ferreira sem referir uma elogiosas e merecidas palavras que o Democrático recolhe a respeito do fotógrafo Marques de Abreu, um colaborador precioso do historiador, que estava presente. Quem folheia Vila do Conde e o seu Alfoz ou Os Túmulos de Santa Clara sabe quanto isso é verdade. E essa colaboração não se ficou por aí. O Democrático chama-lhe «ilustre artista e gravador portuense» e afirma que «às obras de investigação histórica editadas por Mons. Ferreira, relativas a Vila do Conde e o seu Alfoz e Os Túmulos de Santa Clara, deu o melhor do seu trabalho, ilustrando esses livros com o que de melhor se pode fazer, ainda nos centros gráficos estrangeiros».
Escritura de Vila do Conde – ano de 953
In nomine domini.
Ego flamula prolis pelagius et iberia. Vobis gonta abba et fratres et sorores habitantes cenobio vimaranes in domino salutem amen.
Annuit namque serenitatis meae asto animo et propria mea voluntate ut facerem uobis sicut ef facio textum scripture uenditionis et firmitatis. De villas nostras proprias que habemus in ripa maris prope riuulo Aue subtus montis Tirroso. Idest villa de comite quomodo diuidet cum villa fromarici. et cum villa euracini. et inde per aqua maris usque. in suos terminos antiquos ab integro. uobis concedimus cum suas salinas. et cum suas piscarias. et ecclesia que est fundata in castro uocitato sancto iohanne per suos terminos ab integro. uobis illa concedimus cum omni sua prestancia quicquid in se obtinet.
Ac accepimus de uos duas mulas placibiles. una saia de fanzanzal. cum sua uatanna tiraz. manto azingiaue cum suo panno fazanzale. uno uaso imaginato et exaurato. duas pelles anninias. fiunt sub uno mille solidos. ipsum nobis bene complacuit.
Ita ut de hodie die et in omni tempore sit omnia de iuri nostro abraso ab integro. et ad parte monasterii vimaranes sit traditum atque confirmatum perhenniter deserviendum. Si quis tamen quod fieri non credimus aliquis homo contra hunc factum nostrum ad irrunpendum veniret. que nos in iudicio deuindicare non potuerimus aut uos in uoci nostre quomodo duplemus uobis ipsas villas. et ad parte iudicis terre auri duo talentum. et hoc factum nostrum in cunctis obtineat firmitatis roborem.
Notum VII kalendas aprilis. Era DCCCCLXXXXI. Flamula deo vota in hanc cartulam uenditionis et firmitatis a me facta manu mea rouoro.
Aloitus cellonovensis manu mea confirmo
Amarildus manuldi manu mea confirmo
Iafar sarrazinis manu mea confirmo
Palatinus armentari presbiter confirmo
Arias diaconi manu mea confirmo
Affonso testis. Menno testis.
Zonio testis. Vermudo testis. Zidi guntemeriz testis. Quiriaco testis. Jovino testis. Guntemiro terstis.
Hoduarius aloitiz manu mea confirmo
Aldereto seniorinis manu mea confirmo
Lucidus confratris manu mea confirmo
Pelagiusavianiz manu mea confirmo
Eidinus presbiter manu mea confirmo
Gundesindus zanonit manu mea confirmo
Froila christinit manu mea confirmo
Gundemiro manu mea confirmo
Clerigus astrulfis manu mea confirmo
Flamula
Em nome do Senhor, ámen.
Eu, Châmoa, filha de Paio e Ibéria, saúdo-vos a vós, abade Gonta e Irmãos e Irmãs que habitais no Mosteiro de Guimarães. Ámen.
Decidi, na serenidade da minha consciência e de minha própria vontade, fazer-vos, como faço, uma escritura de venda e segurança das nossas vilas que possuímos à beira-mar, junto ao rio Ave, sob o monte de Terroso. Isto é, Vila do Conde, como confronta com a Vila de Formariz e com a Vila de Varzim, e daí pela água do mar, segundo os seus limites antigos, e inteira. Concedemo-vo-la com as suas salinas e com os seus pesqueiros. E a igreja que se encontra no castro chamado S. João, pelos seus termos e inteira, concedemo-vo-la com todos os pertences que possui.
E concedemo-vos outra vila, chamada Quintanela, inteira, pelos seus limites, como confronta com a vila de Formariz e com a vila de Touguinha; e continua até aos marcos de Pior, e confronta com a vila de Argivai e com a vila de Anseriz, e daí pela estrada mourisca; e daí, até ao marco que está acima da mesma vila; e daí, à beira-mar, volta ao limite de Formariz, onde antes começámos. Concedemo-vos os pomares, os figueirais, as águas correntes e paradas e tudo quanto em si possui, inteiramente, como a possuíram os nossos pais Paio e Ibéria e a nossa criação. Damo-vo-lo nessas vilas para que cuideis dele. Estão aí os filhos de Balteiro e de Trasilho, e os filhos de Gresulfo, e de Genilho e de Gondulfo.
E recebemos de vós duas mulas mansas, uma saia de fansansal com sua badana tiraz, um manto de pele de esquilo com o seu pano fansansal, um vaso com imagens e dourado, duas peles de jumento. Totaliza mil soldos. Isso nos satisfaz.
Que de hoje para todo o sempre seja tudo isto retirado da nossa posse e entregue à parte do Mosteiro de Guimarães, e confirmado para seu constante serviço.
Se, todavia, o que cremos que não acontecerá, alguém vier contra este nosso contrato, para o desfazer, não poderemos justificá-lo em juízo, ou nós contra vós, dobraremos essas vilas e mais dois talentos de ouro para o juiz da terra. E que em tudo este nosso acto obtenha garantia de segurança.
26 de Março de 953.
Eu, Châmoa Deovota, confirmo com a minha mão nesta escritura de venda e segurança feita por mim.
Hodoário Aloites, confirmo com minha mão.
Aldereto Senhorins, confirmo com minha mão.
Irmão Lúcido, confirmo com minha mão.
Paio Arianes, confirmo com minha mão.
Padre Eidino, confirmo com minha mão.
Gundesindo Sanões, confirmo com minha mão.
Froila Cristins, confirmo com minha mão.
Gundemiro, confirmo com minha mão.
Aloito Celonovense, confirmo com minha mão.
Amareldo Manuldes, confirmo com minha mão.
Jafar Sarracins, confirmo com minha mão.
Palatino Armentares, confirmo com minha mão.
Árias Diácones, confirmo com minha mão.
Afonso, testemunha. Meno, testemunha.
Sónio, testemunha. Vermudes, testemunha. Cides Guntemires, testemunha. Quiríaco, testemunha. Jovino, testemunha. Guntemiro, testemunha.
Châmoa
D. Manuel Baptista da Cunha
Nos Fastos Episcopais da Igreja Primacial de Braga, conta o Mons. José Augusto Ferreira o período que o arcebispo bracarense D. Manuel Baptista da Cunha passou em Vila do Conde, em exílio – exílio que terminou com a sua morte.
Estávamos em finais de 1911 e pesavam sobre a Igreja as prepotências republicanas, como o próprio historiador nos vai explicar. Como reflexo da mesma situação política, é diminuta a importância que a imprensa vila-condense deu aos acontecimentos, atendendo a que a Matriz da Vila foi, para alguns efeitos, a ocasional «catedral» da Diocese. Como amostra, vejam-se alguns dos parágrafos do Democrático, que noticiam a morte do Arcebispo e que saíram quase ao fundo da segunda página, sem destaque nenhum:
«No belo palacete do Sr. Comendador Bento de Aguiar, à Rua Bento de Freitas, faleceu às 10 horas do dia 13 do corrente, vitimado por uma congestão cerebral, o arcebispo de Braga, Primaz das Espanhas, D. Manuel Baptista da Cunha.
Era natural da freguesia de Espinhel, concelho de Águeda, e contava 70 anos de idade.
O seu cadáver, encerrado em caixão de chumbo, foi depositado na Igreja Matriz ao fim da tarde de quarta-feira, celebrando-se ofícios e matinas na quinta, com assistência de muitos eclesiásticos das dioceses do Porto e de Braga e da maioria dos prelados do país.
Sexta-feira, depois de solenes exéquias, efectuou-se o enterramento e a inumação em jazigo que a família Beiral possui no Cemitério da Ordem Terceira de S. Francisco.
No próximo número daremos uma notícia mais circunstanciada dos funerais.»
Passemos agora a palavra este Prior da Vila, nos seus Fastos Episcopais da Igreja Primacial de Braga:
Desterro do Arcebispo e seu estágio em Vila do Conde
«O Governo e os seus agentes teimaram na formação e instalação das Cultuais, nos termos da Lei da Separação, organismos condenados pela Igreja, por serem opostos à Constituição da mesma Igreja e à sua hierarquia; por isso os Bispos vieram unanimemente à estacada e proibiram tais Associações[1] encarregadas do culto.
Os Bispos portugueses foram todos castigados com processos dispendiosos para eles e com a expulsão violenta da sede das Dioceses e seu distrito; todavia as Cultuais não se formaram e, não obstante, o culto católico manteve-se em todas as igrejas do país.
O Arcebispo D. Manuel Baptista da Cunha expediu com data de 5 de Janeiro de 1912 uma Circular que fez distribuir pelos Vigários Gerais e Arciprestes a todos os Párocos deste Arcebispado, proibindo a formação das Cultuais, no sentido do citado Decreto de 20 de Abril do mesmo ano.
O Governo respondeu à citada Circular com o Decreto de 12 de Fevereiro seguinte, condenando-o à pena de desterro para fora do Distrito de Braga por dois anos, além da perda dos benefícios materiais do Estado a que por ventura tivesse direito. Foi-lhe concedido o prazo de cinco dias a contar da publicação deste Decreto no Diário do Governo, para sair da cidade, que se chamou dos Arcebispos, e seu distrito (vide Diário do Governo, n.º 36, de 13 de Fevereiro de 1912).
No dia 17 de Fevereiro o Arcebispo retirou para a sua casa de Paralela (Águeda), em obediência ao Decreto do Governo, que lhe impôs a saída do Distrito de Braga durante dois anos, por haver cumprido o seu dever, comunicando, como disse, ao Clero e fiéis da Arquidiocese a doutrina da Igreja Católica sobre as Associações Cultuais!
Na Gare teve o Arcebispo uma despedida afectuosa por parte do Clero e amigos pessoais, havendo na véspera recebido na sua modesta casa do Campo Novo uma eloquente mensagem de saudação assinada pelo Cabido e por todo o Clero da cidade e concelho.
Pouco depois escreveu-me uma carta dizendo ser sua vontade benzer os Óleos na Igreja matriz de Vila do Conde em Quinta-feira maior, e hospedar-se na minha casa com o Sacerdote que devia acompanhá-lo.
Prontamente respondi, pondo a minha pobre casa com todo o gosto à disposição do bondoso Prelado.
O Arcebispo, porém, reconsiderou; fez a bênção dos Óleos na Igreja da sua terra e, quando entendeu, tratou da sua instalação definitiva em Vila do Conde, servindo eu de intermediário para tudo. Isto, porém, tem uma história, que vou contar em meia dúzia de linhas, pela necessidade de abreviar o assunto, a fim de não tornar demasiadamente longas estas «Memórias».
Aí pelo mês de Dezembro de 1911, morava já o Arcebispo no Campo Novo, vim a esta cidade e fui visitá-lo.
Eu, que sou de Braga e toda a minha vida vi o Arcebispo rodeado de grandeza num Palácio, fiquei mal impressionado com a nova morada do meu Prelado; porém, depois que conversei com ele durante alguns minutos e ouvi os seus desabafos, comovi-me e disse-lhe que me parecia não estar ele bem ali e, por isso, ofereci-lhe sinceramente a minha casa em Vila do Conde, oferta que ele aceitou logo em princípio.
Com este meu gesto tive um duplo intuito: prestar um serviço à Igreja numa conjuntura difícil da sua história e concorrer de algum modo para o engrandecimento de Vila do Conde, terra de tradições aristocráticas.
O Arcebispo mandou a Vila do Conde pessoa da sua confiança para arrendar uma casa; mas as coisas dispuseram-se de modo que coincidiram com a compra do palacete da Avenida por um benemérito e bizarro vilacondense, residente em Pernambuco (comendador Bento Luís de Aguiar, irmão do Rev. Dr. Elias Luís de Aguiar, e já falecido), que generosamente o cedeu ao Arcebispo durante a sua permanência naquela vila.
Conseguida a casa, foi preciso preparar o ambiente, a fim de garantir a tranquilidade do Arcebispo.
Na altura devida, sem ruidosos espectáculos, por não os permitirem os tempos, entrou D. Manuel Baptista da Cunha em Vila do Conde no dia 19 de Dezembro, proximidades do Natal de 1912, indo logo no dia 21 à Igreja Matriz conferir uma Ordenação geral, acto, que, por constituir uma novidade na terra, foi numerosamente concorrido de fiéis.
O Arcebispo durante os cinco meses da sua permanência na vila foi sempre respeitado e estimado por todos; conferiu uma outra Ordenação, administrou o Crisma por diferentes vezes a milhares de fiéis, benzeu os Óleos em Quinta-feira Maior, e celebrou com muito esplendor Missa pontifical no Domingo de Páscoa.
E, quando eu preparava e dispunha as coisas para duas grandes solenidades — Primeira Comunhão das crianças e Tríduo e Festa do Sagrado Coração de Jesus, que deviam ser presididas pelo bondoso Arcebispo (estas duas festas, já de costume na terra, fizeram-se depois com a presidência do saudoso Bispo do Porto D. António Barroso), a fatalidade do destino adverso veio mudar o cenário dos acontecimentos!
Morte do Arcebispo em Vila do Conde
O Arcebispo havia resolvido aceitar o convite, que lhe fora feito para ir presidir às pomposas festas do Espírito Santo em Paredes de Coura, onde ministraria o Crisma.
Na antevéspera da partida mandou-me chamar. Falou-me no compromisso tomado e na repugnância em satisfazê-lo por motivo de saúde. O seu espírito estava conturbado.
Aconselhei-o a que, por motivo justificado, adiasse a visita e nesse sentido telegrafasse para os amigos de Paredes de Coura. Adiar também é resolver, disse eu ao Arcebispo, e retirei-me; porém longe de mim o pensamento da desgraça que estava iminente.
No outro dia ou no imediato, de manhã cedo, cai-me em casa a infausta notícia da doença súbita, de que fora acometido o Arcebispo.
Corri imediatamente a casa dele e soube que, preparando-se para a jornada de Paredes de Coura, fora acometido duma congestão cerebral, que num artério-escleroso poucas probabilidades de melhoras oferecia.
Dado o alarme, compareceram logo médicos e farmacêuticos, e todos com grande dedicação procuraram salvar o doente.
Considerado o caso perdido, administrei-lhe o Sacramento da Extrema-Unção e li-lhe o Ofício da agonia.
No dia 13 de Maio, com setenta anos de idade, o Prelado exalava o último suspiro e sucumbia talvez ao peso ingente dos desgostos e amarguras, que tinha curtido nos últimos anos do seu pontificado.
A morte redentora veio pôr termo a tanto sofrimento e aliviá-lo dum encargo, com que certamente já não podia.
Toda a vila ficou consternada com o triste e doloroso acontecimento.
Resolvido que ficasse provisoriamente em Vila do Conde o cadáver do Arcebispo, prepararam-se os funerais, que tiveram uma extraordinária imponência.
Na tarde do dia 15 de Maio o cadáver do Arcebispo foi transportado, com grande concurso de Clero e fiéis, para a Igreja matriz, onde se cantaram Vésperas e Matinas, e no dia imediato Laudes e Missa, sendo no fim dadas as Absolvições ao túmulo pelos Bispos do Algarve, Viseu, Lamego e Portalegre, e a última pelo Arcebispo-Bispo da Guarda.
O Bispo do Porto D. António Barroso proferiu uma sentida Oração fúnebre.
Além dos Prelados presentes, outros se fizeram representar, e, entre estes, o egrégio Arcebispo D. Augusto Eduardo Nunes pela minha obscura pessoa. Seguiu-se finalmente o acompanhamento ao Cemitério, presidido pelo Deão da Sé Primaz Correia Simões, incorporando-se no cortejo fúnebre os Bispos já referidos, os Cónegos da Catedral de Braga, numerosíssimo Clero do Arcebispado e do Bispado do Porto, as Irmandades e Confrarias da Vila, grande concurso de fiéis, etc.
Os restos mortais do saudoso Prelado ficaram provisoriamente depositados ali no jazigo que pertencera à distinta família Beiral Rocha, e já então era e ainda hoje é propriedade minha, sendo depois transferidos para o humilde Cemitério da terra da sua naturalidade, onde repousam com este singelo epitáfio:
AQUI JAZ
O ARCEBISPO DE BRAGA
D. MANUEL BAPTISTA DA CUNHA.
NASCEU EM PARADELLA A 16 DE ABRIL DE 1843.
FALLECEU EM VILA DO CONDE A 13 DE MAIO DE 1913.
Esta inscrição, na sua eloquente simplicidade, mostra-nos que D. Manuel Baptista da Cunha morreu no exílio e, portanto, ficou sendo perante a história uma das vítimas ilustres da perseguição religiosa.»
Imagens: em cima, D. Manuel Baptista da Cunha; mais a baixo, o palacete onde o mesmo Arcebispo redidiu e faleceu em Vila do Conde.
A Fénix na Matriz na Matriz de Vila do Conde
LIVRO ANTIGO
O primeiro fascículo data de Alcalá de Henares, 1529, e começa com quatro páginas do que era um breve tratado filosófico em impressão arcaizante; faltam-lhe as folhas iniciais. A seguir, vêm: o Livro de Catão (Liber Catonis), 8 páginas; o livro sobre o Desprezo do Mundo (De contemptu Mundi), 23 páginas; o Livro das Fábulas de Esopo, 29 páginas; o Livro de Floreto, 39 páginas; o Livro das Cinco Chaves da Sabedoria (Liber Quinque Clavium Sapientie), 12 páginas.
O segundo fascículo é constituído pela Áurea Exposição dos Hinos, juntamente com o texto, examinada por António de Nebrija, (Aurea hymnorum expositio una cum textu per Antonium Nebrissensem recognita). É uma colecção de 85 hinos litúrgicos profusamente explicados - parafraseados - pelo humanista espanhol Élio António de Nebrija e impressos também em Alcalá de Henares, em 1524, o ano do nascimento de Camões.
As 77 páginas do terceiro fascículo, impresso em 1527 na mesma cidade universitária dos anteriores, são ocupadas pelas Orações inteiramente recolhidas e emendadas com o maior zelo e ainda algumas que por todo o ano se cantam na Santa Igreja (Orationes ad plenum collectae summaque diligentia emendatae insuper et aliquae quae per totum annum in sancta ecclesia cantantur).
O fascículo final é nada mais nada menos que um livrito de Ângelo Policiano, o humanista italiano que se ofereceu a D. João II para cantar os Descobrimentos portugueses bastante antes do Gama ter alcançado a Índia por mar. Tem como título Livro dos dísticos de Miguel Verino Hugolino que se intitula «Das Sentenças» (Liber distichorum Michaelis Verini Vgolini qui sententiarum inscribitur). O texto começa assim: «Angeli Politiani poetae carmen in obitu Michaelis Verini disertissimi adolescentis», Poema de Ângelo Policiano na morte do jovem eloquentíssimo Miguel Verino. Talvez truncado no fim, ocupa 15 páginas.
Vários hão-de ter sido os possuidores quinhentistas, ora portugueses ora espanhóis, desta antiguidade. Um identificou-se assim: «Este livro he de Manoel de Sá Carneyro Barboza». Um outro chegou a ensaiar uns versos em espanhol no espaço livre duma página:
«... allá en Salamanca
ese lugar estimado
a los ocho días de Junio
todos sean bien concertado»
Talvez um outro escreveu na última página: «Andres Vidal Bolano Vecino de Valladolid que bos ...»
O livro apresenta frequentes anotações manuscritas. O que ele é é incontestavelmente interessante e sobretudo velho, muito velho. Podia até ter sido já lido pelo Fr. João de Vila do Conde ou ainda mais provavelmente pelo P.e Manuel de Sá. Na Biblioteca Municipal há também alguns livros do séc. XVI, creio que um de 1502.
Fique agora o leitor a saber quais são «as cinco chaves da sabedoria»: a primeira é a assiduidade na leitura (Prima sapientie clauis est legendi assiduitas), a segunda é a memorização (Secunda clauis sapientie est memorie commendatio), a terceira é a veneração pelo mestre (Tertia clauis sapientie est honor magistri), a quarta é o desprezo das riquezas (Quarta clauis sapientie est contemptus diuitiarum), por fim, a quinta é a curiosidade constante (Quinta clauis sapientie est frequens interrogatio).
Ouça-se para terminar meia página de conselhos do Livro de Catão – Catão era um romano contemporâneo de Júlio César, do primeiro séc. a.C.:
«Vou-te ensinar agora, filho caríssimo, como deves regrar a tua vida moral. Lê pois os meus preceitos para os entenderes. Ler e não entender é esquecer.
Por isso, ora a Deus. Ama os teus pais. Respeita os parentes. Mantém o que deste. Prepara-te para a vida pública. Anda com os bons. Não vás a conselho sem ser chamado. Sê limpo. Cumprimenta com delicadeza. Respeita o mais velho. Devolve o que te emprestaram. Vê a quem dás. Teme o teu mestre. Conserva a vergonha. Guarda os teus bens. Sê diligente. Cuida da tua família. Não vás a muitas festas. Dorme o suficiente. Ama a tua esposa. Mantém o teu juramento. Não bebas muito. Luta pela pátria. Não acredites no que não tem fundamento. Foge da prostituta. Ensina os teus filhos. Sê manso. Nunca te irrites. Não te rias de ninguém. Testemunha a verdade. Não julgues inconsideradamente. Contém-te nas zangas. Não recuses as obrigações políticas. Cultiva-te. Sê prudente. Faz bem aos bons. Não sejas maldizente. Cultiva a virtude. Diverte-te com contenção. Não jogues aos dados. Dá conselhos sábios. Vence os teus pais pela paciência. Não desprezes o mais novo. Recusa a lei do mais forte. Explica a lei por que te governas. Recorda o benefício recebido. Não te rias do infeliz. Evita julgar. Não cobices o alheio. Aplica-te ao que é honesto».
Para um pagão, é obra!...
Imagens: na primeira, o «Privilégio Imperial» de que se usou no livro era o do genro de D. Manuel I, Carlos V, rei da Espanha e imperador da Alemanha. Na segunda, rosto do Liber distichorum Michaelis Verini Vgolini qui sententiarum inscribitur; a terceira imagem, ao fundo, mosta a data de 1524.
Dois párocos de Bagunte
Padre João José da Silva, ex-abade de Bagunte
Este bom e simpático velhinho, grande e prestimoso amigo nosso, marchou para junto de Deus, como nós piamente acreditamos, no dia da Festa do Corpo de Deus, às duas horas da madrugada. Parece que havia lá no Céu necessidade da presença de tão bom sacerdote para solenizar o aniversário das bodas do Cordeiro Imaculado.
É deste santo homem que se pode dizer com verdade que passou por este mundo a fazer bem.
Muito inteligente e muito bondoso, pensando mais nos seus parentes e amigos do que na sua pessoa, a todos fazia bem.
Para os amigos, era daquela antiga e tradicional franqueza dos velhos portugueses que não conheciam paredes meias e não tinham ferrolhos nas portas, quando se tratava de receber pessoas de amizade.
Muito crente e muito confiante na Providência de Deus, nada lhe faltou a ale, que ia repartindo sempre do que tinha.
Pastoreou a igreja de Bagunte por quase meio século. Aí foi pároco zeloso e cumpridor dos seus deveres.
Foi ferreiro e pedreiro e estatuário e arboricultor e engenheiro nas horas vagas do seu múnus paroquial.
Como ferreiro, fez por sua mão na forja, todo gradeamento do cemitério.
Como pedreiro, fez a pia do lavatório na sacristia e um fontenário que fica ao lado da igreja.
Como estatuário, fez a imagem, e bem bonita que ela é – de (Santa) Margarida Alacoque, e trabalhou na do Sagrado Coração de Jesus, que existem na sua igreja de Bagunte, ao lado da epístola e em altar, no corpo da igreja.
Como arboricultor, plantou um olival, no largo da igreja. Vimo-lo outro dia quando fomos assistir aos seus funerais.
Há ali muitas dezenas de oliveiras, de seis ou sete anos de vida, carregadas de flor e prometedoras dum belo futuro.
Como engenheiro, reformou todo esse monte árido de oliveiras e fez uma calçada de pedra onde existia um lamaçal que dava caminho para a igreja.
Quando cegou e pediu a sua aposentação, veio viver para esta vila, onde nós o conhecemos melhor e melhor apreciámos os quilates daquela alma de ouro.
Completamente cego como estava, há talvez sete anos, tinha sempre uma conversa agradável e atraente, amenizada de antigas e tão escolhidas anedotas e ditos que mais éramos nós que o procurávamos para passar uns bons momentos de cavaco, do que ele, o pobre ceguinho, que lucrava e se divertia com a nossa companhia.
Nestes termos se foi formando quase um Club de cinco ou seis pés de banco, que assentavam em redor do seu presidente extinto, do pranteado presidente, o nosso querido velhinho, na Alfaiataria do Álvaro, e, ali, passavam duas horas de cavaco ameno.
Eu, o mais incompetente do grupo, encarregado desta triste missão de prantear o que foi nosso presidente, o que melhor tenho feito com lágrimas doo que faço agora com este ligeiro sentir, parece-me bem lembrar-lhes que na próxima quinta-feira, 22 do corrente, hei-de celebrar uma missa por alma do nosso querido presidente, na Misericórdia, pelas seis e meia horas da manhã, a que espero ninguém falte.
A todas as pessoas amigas respeita o mesmo convite, sem cartões nem etiqueta.
L. Amorim in O Poveiro, 24.6.1911
João José da Silva
Abade de Bagunte
Não era padre só, que bem podia
Dizer-se um cumpridor do seu dever;
Era um padre também, que bem sabia
A todos bem amar e bem fazer.
Como pastor, que foi por muitos anos,
De tal modo guardava a sua grei
Que debalde tentava com enganos
Ditar-lhe Satanás a sua lei.
Amigo delicado dos amigos,
Que sofressem qualquer necessidade,
Sem medo de trabalhos ou de p’rigos,
A todos acudia o bom abade.
Para mim, que tive a dita de contá-lo
Entre os amigos meus por principal,
Nunca amigo nenhum, posso jurá-lo,
Encontrei mais sincero e mais leal.
E que sã não era a sua mente!
E que bom que não era o seu conselho!
Que doce que não era, finalmente,
O ver-se a gente sempre a tal espelho!
Espelho tão formoso e tão polido,
De tão soberba traça e qualidade,
Que bem se via logo ser fundido
Nos moldes da virtude e santidade.
Mas tudo tem um fim, e já chegado
Era o dele também. Foi ont’o dia.
E um momento bastou para, alquebrado,
Esse padre cair em agonia.
Té que em pouco morreu!... Mas, hoje, ao vê-lo
Inerte e frio, desbotada a face,
Não houve ninguém, não, que não chorasse
Esse tipo de padre - esse modelo.
António Martins de Faria
Na Paróquia de Bagunte guarda-se uma grande colecção de livros. Muitos deles, vêm certamente do antigo Mosteiro de S. Simão da Junqueira, mas outros não. Alguns terão pertencido ao abade João José da Silva, como é o caso, entre outros, dum Dicionário da Língua Portuguesa, cuja edição foi dedicada a D. Pedro V, rei que por sinal terá alguma vez estado em Bagunte, na Quinta de Vilar....
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Padre António Gomes da Silva
(O Sanguinhal)
Este nosso querido e velho amigo já não pode mais falar-nos e divertir-nos com as suas piadas sempre prontas, com a sua verve alegre e mordaz, mas sempre urbana e cortês.
As prisões que o ex-administrador de Vila do Conde efectuou e especialmente as dos Srs. Dr. Faria e abades de S. Simão e Bagunte, e ainda as ameaças e perseguições com que os seus inimigos todos os dia os ameaçavam magoaram-no imensa e cruelmente.
Aquele homem alegre e jovial, que tinha para todos um riso de bondade e uma chalaça amiga; que tinha para todos tudo o que fosse seu – a sua fortuna, a sua protecção, a sua influência, os seus amigos, deixou de sorrir e ser alegre. Quando vou os seus amigos encarcerados, sem poder valer talvez à sua inocência ia, caiu numa tristeza profunda e, dia a dia, se via decair aquela alegria, que foi sempre a sua vida, em desalentos e lágrimas, em tristezas e dores.
Fomos assistir ao seu funeral, que se realizou em Bagunte, na sua terra natal, no dia 30 de Dezembro.
Só vimos como ele era adorado pelo povo daquela freguesia e doutras circunvizinhas.
Nunca vimos, na aldeia, acompanhamento tão numeroso, respeito tão sentido.
Calou-nos na alma e fez-nos chorar o tom magoado e triste como cantou uma lição o nosso amigo pároco de parada, a não querer chorar e a chorar…
E quantos e quantos choraram…
Se fosse possível, porém, restituí-lo à vida, ver-se-ia que ele nos diria apenas que cuidássemos dos seus amigos e que proclamássemos a sua inocência e que os restituíssemos às suas famílias e que destruíssemos a trama negra que os persegue.
Era assim a sua alma diamantina.
A ele, ao amigo inolvidável, adeus.
A sua Ex.ma família, as nossas condolências.
O Poveiro, 5/1/1912
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Padre António Gomes da Silva
De Bagunte
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Morreu o Padre António – o bom amigo –
O colega leal e dedicado –
Aquele sacerdote – destinado
Dos pobres a servir de doce abrigo!
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E morreu quando menos se esperava
De quem novo era ainda e vigoroso!
E morreu sem ao menos ter o gozo
De poder abraçar os que prezava!
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É que, ferido pela morte ímpia
Subitamente, como fere o raio,
Caíra de repente num desmaio
Que em trevas lhe tornou a luz do dia.
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Um momento depois, sua alma bela,
Do corpo libertada pela morte,
No Céu brilhava já da mesma sorte
Que brilha de manhã a linda estrela.
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É que Deus, como justo, não podia
Desta forma deixar de premiar
O padre amigo – o padre tutelar –
Da pobreza da sua freguesia.
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De carpir, entretanto, a sua ausência
Eu não posso deixar, sem vilania,
Enquanto me não vir com ele um dia
No Céu também aos pés da Providência.
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Até lá, nesse reino, onde hoje moras,
Ao Senhor não te esqueça, ó bom amigo,
De pedir por aquele que contigo
Neste mundo passou alegres horas.
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E depois, lá no Céu, ambos prostrados
Diante do seu trono de safiras,
Cantaremos, ao som das nossas liras,
Cânticos de louvor, hinos sagrados.
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António Martins de Faria
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No conjunto escultórico representado ao cimo, a imagem de Santa Margarida Maria Alacoque é da autoria do P.e João José Silva. Deve ter sido obra realizada em data próxima da da Consagração do mundo ao Sagrado Coração de Jesus.